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UM ARTISTA DA FOME Jantou lá em casa um artista da fome cujo nome e renome eu desconhecia, dado a nadar fora do contexto, um artista da fome passou a noite numa casa de família pouco conhecida no todo: a casa da palavra, mas logo a mímese e a simbiose entraram e ficaram entre o anfitrião e o hóspede, ambos cheios de fome   pelo que poderia a palavra                                                                                  saciar-nos com o seu sexo                                                                                certamente capaz                                                                                  de maravilhas únicas,                                                                                   de singulares encantamentos tanto pela pedra quanto pela água.                                                                                      Foto e poema: Darlan M Cunha
S S SAL Na calma da manhã as aves ainda em seu conluio, lá fora os entraves do dia saltam poças  de água e sangue, pois é na rua  que as coisas  acontecem,  na calma ou no areal  das mãos revoltas as coisas  acontecem - ou se salvam ou se degradam. Poema: Darlan M Cunha Foto: Orlando Luis Pardo Lazo - http://www.desdecuba.com/generaciony/
ABRIL DA CORAL cores tantas cores no lânguido corpo da cobra coral ali num tronco qualquer no chão do mundo confundida ela está e os seus olhinhos brilham de prazer com os raios de sol e as fatias de sombra sobre ela que se fia na sua mímese e na simbiose e noutros truques que a coroa maior da vida exije, e assim a sobrevivência lhe dê chances de logo que possível ou logo que seja necessário ela executar de novo a dança das presas: dança de vida e morte que seu veneno fatal pode, mas, antes, ela descansa e me deixa em paz, a apreciar suas cores em rodelas, pura matemática, puro aviso de quem faz suas próprias contas, sim, pintura rubra negra e branca, a cobrinha sabe de si, sabe que seu espaço dimunui, que as águas estão secando rápida- mente, não ná mais onde esconder-se de mim, de ti, das bombas e queimadas, das imobiliárias, de deus e nem mesmo do diabo que não a criou, natural que ela é em seu medo de todos Poema: DARLAN M CUNHA Foto: alfas.cap.ufrgs.br
ABRIL DOIDO Em abril, a Idéia se dobra e se desdobra sobre o tempo perdido, cruzando colinas e riachos, saturada de sol e sal, ajeita o gorro, reenche o cachimbo e põe fogo na mata da imaginação, e logo saltam do forno imaginário os primeiros assados, estalos de colheita só possível em abril, espremida entre as águas de março e a própria incógnita de como entregar a maio os ossos ainda quentes, talvez não inteiros, do seu ofício, sua herança que, em abril, já se atrasa no riso, malha seus riscos. Poema: Darlan M Cunha Imagem trazida do site MUSEU DA PESSOA
                COM LICENÇA POÉTICA Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombetas, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou tão feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos (dor não é amargura). Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou. ADÉLIA PRADO. Bagagem. ***** Tela: TÂNIA FILIPPO 
  Pintura sobre papel, by TÂNIA FILIPPO (Rio / Bahia) 1. DEPOIS DA ÁGUA, O ARTESANATO Depois da água, há outro encantamento que me fascina de modo cabal, desde o meu mais tenro vislumbre das coisas: o artesanato. Isto porque, para mim, (eu só viria a saber disso, de fato, tempos depois, pelos estudos continuados, viagens, pessoas e também pelas imitações de gente que eu conheci), para mim, as paredes das cavernas, onde a primeira arte pictórica encostou-se, ou achou abrigo, achando a tela mais lógica onde estabelecer-se e esperar pelos futuros humanos, são contemporâneas do meu entendimento do que seja a vida, melhor dizendo, do que foram as primeiras passadas humanas, seus dedos rasgados em busca de vegetais, até aprenderem a fazer triângulos de pedra e encaixá-los nalgum tosco e curto, depois longo, pedaço de pau, servindo assim de lança para caçar bichos e para matar invasores. Sim, os primeiros tempos foram tenebrosos, iguaizinhos ao de hoje, esse tempo no qual procuramos bolha
  O ANVERSO O anverso da cidade é o que quer o cidadão porventura ao lado de alguma estátua de quem a construiu (foram, são muitos), mas repto é ser docente dela, repto é estar entre o seu corpo discente, pois a cidade é mutante, alisa os zelos mórbidos de um, do mesmo jeito em que atiça sobre os galgos, pitbulls e outros cães estereótipos de felicidade, a língua ferina da paz. Foto e texto: DARLAN M CUNHA
ATÍPICAS MEMÓRIAS Deixem que eu me apresente, e à minha irmã. Eu sou Iço, esta é a minha irmã Issa. Somos de Içada - terra sem fim e mar sem contorno, céu de tantos e deus nenhum. Não descobri o fogo, o afeto, a insônia de ser pai. Memórias de mim, em sua maior parte, são tristes, céticas, ácidas, coléricas, e o meu medo menor é o de entrar na inenarrável algazarra da morte apenas com o círculo vicioso de filho de algo, de nada, do Nada. Sou biliar. Tornei-me ossudo, ossada, ossama. De um livro, lembro-me de uma frase caótica: o diabo no meio do redemoinho, e poucas outras frases de outros livros, tais como: todos nós somos culpados de tudo, e assim por diante; lembro-me do dia em que o meu pai brigou com um tipo, numa cidade do interior, e o meu irmão tomou a si luvas e facas, aos quinze anos, eu não lutei, não matei ninguém, a não ser eu mesmo, só depois cometi crimes assim, de morte, e lhes direi mais, que não fiquem aí com essa cara de asco, vão todas danarem-se, vão todos pôr
Dianho ou diamba sejam os ares, argumenta, argumenta em prol do que vês e, mais, em favor do que sentes, indo ao fundo da ocasião, entrando de compasso ereto, e até de passo trocado ou quebrado, feito bêbado ou  inepto trapezista, só tu podes abrir o encanto e colocar a correr mundo afora o idioma que é teu: sim, tu és o teu fator de equilíbrio e desequilíbrio, lembra dos artelhos e das falanges dos gigantes que ficaram pelo caminho; lembra do crescimento vegetal, suave quase sempre, a não ser que sejas como certas espécies de bambu que crescem muito em muito pouco tempo; e assim é preciso gostar de si, atravessar com cuidados a ponte, procurar saber conviver com as quatro margens do rio, lembrando-se sempre de que o rio é o paradigma maior de tudo, da fluência da vida, pois bem, cuida de penetrar devagar nas quatro margens: a esquerda e a direita, a superfície e o fundo. Estão lá os argumentos que nos são faltos. Texto: Darlan M Cunha Obra: Vinte Garrafas Vinte Conteúdos. ARTHUR BISP
PESADELO AO REVERSO Meu pesadelo tem macia voz, canta disparada, travessia & boi barroso, como quem vai à feira de rua comer frutas e beber licor, sim, meu pesadelo tem 206 ossos, tendões alvinhos e músculos (ou molúsculos ?) tenros feito avelãs, e por isso eu caio da cama, releio minhas memórias futuras e vejo que lá está ela, no meu futuro ela está, e ri da minha impotência em desvendar-lhe a essência, e nem mesmo parte dela, mas o mundo dá muitas voltas, e eu me preparo para quando ela passar à minha porta de novo, ela, meu tormento, pesadelo, ímã ou seja lá o que for. Ó, eu quero essa mulher assim mesmo: descabelada, doida, assanhada, com ou sem marcas do Tempo (bicho mau é o Tempo, ou não ? Bom, há gosto para tudo). Eu quero essa diaba assim mesmo: de modo lento já acendo o fogo, assento-me na cozinha, leio algo, bebo algo, enquanto conto nos nós dos dedos das mãos a hora fatal de eu morrer naqueles tenebrosos braços e abraços, passos e tropassos, beijos e
  GULA É do Homem ser gulos o e avançar sobre o que vê e não, sobre o que cheira e não cheira,  é de sua índole o verbo querer, suas variantes de possuir seja lá o que seja, sim, condenado pelo instinto, vive o Homem a sua trajetória de olhar para o outro lado da correnteza e logo imaginar uma ponte. Foto e texto: DMC (Gula)
DAS PERCEPÇÕES Sempre que o almanaque social manda que é hora de fazer xixi, todos fazem, com aquela pequeníssima exceção, porque, como sabemos, sempre há os desmiloados e desmioladas, que não são necessáriamente revoltados, ou sinônimo de incapazes, frustrados e frustradas; são é diferentes daqueles que abraçam a primeira "causa social" que encontram, e ali se estabelecem, com o intuito precípuo e, mais forte do que isto, com o intuito inconsciente de se livrarem de si mesmos, de si mesmas, de se livrarem do que lhes acometeu numa altura da vida (infância, puberdade), enfim, daquilo que os ajudou a se tornarem  tão deploráveis, inclusive, diante de si. Diante da Showciedade não é preciso neurastenias, neuroses e psicoses, suicídios, pois a Showciesdade é muito mais do que lavoura putrefata, mais do que se possa admitir, em sã consciencia, ser "um corpo" com o qual se queira gerar seja lá o que for. Pois bem, Gente Boa, feitas estas considerações, vamos à e
O INSTANTE Desde que o silêncio reverberou pela primeira vez na mente do Homem (lembra que nasceste fazendo barulho, de que, ainda no útero, fácilmente audíveis são os reclamos de todos - muito antes de ultrassom), a sua luta para permanecer como parte integrante da Humanidade não teve descanso. Em vão. Quase ninguém sabe nada do silêncio, do seu valor, de que é um pilar sem o qual o equilíbrio não é possível. Não, não quero o silêncio de uma senhora ao lado do filho assassinado, silêncios forçados, silêncios armados, silêncios pagos. Queiramos algo que grite, mas que saiba silenciar a súcia, os latidos e rosnados, miados e chiados, sim, chega de buzinaços por falsos instantes de alegria que trazem com eles a contrapartida da alergia pesada, trazem com eles alguma répicla sempre com peso extra: a da destruição, do revide rubro. É isso aí: nada de dar a outra face e de abaixar o rabo, como o faziam antigamente os cães amestrados - não nós, os legítimos viralatas, donos absolutos
Amadas & Caros, eis aqui nove coisas realmente boas. Complete para dez estas NOVE COISAS BOAS: 1 . Ficar em casa na segunda feira, preguiça ou ressaca, sono ou calor, pés no chão e de bermuda, coisa boa é ficar na água de coco na segundona. 2. Ganhar presente em dia comum, inesperadamente. 3. O beijo não recebido, mas imaginado. 4. Roupa de cama cheirosa, mesmo se antiga. 5. Ficar na banheira – horas, dias, semanas, meses, anos, dormir  lá dentro. Se estiver de ressaca, melhora; se estiver com raiva, melhora; se estiver doente, sara, se estiver sem mulher ou sem homem... Ah, aí já não é comigo nem com a banheira: é ir pra rua procurar homem ou mulher, e logo propor casamento, sérias intenções, hehe. Certo ? 6. Viajar para o interiorzinho. 7. Tocar um instrumento musical. 8. Encontrar aquele bilhete premiado, um dia antes de expirar o prazo – o qual estava numa lata de biscoitos, junto com papéis velhos, contas disso e daquilo, clipes, barbante, vela, etc , e pelo qu
DE TUDO SE FAZ CANÇÃO Durs Grünbein (*1962, Dresden)                                                                                      Der Cartesische Hund Wedelnd um jedes Nein das ihn fortschleift              Worte wie Flöhe im Fell, die Schnauze im Dreck   Ohren angelegt auf der Flucht vor den Nullen Gejagt von den kleineren Übeln ins Allergrößte   Müde der leeren Himmel, die Kehle blank Gehorcht er dem Ersten, das kommt und ihn denkt.       O CÃO CARTESIANO Abanando a cauda para cada Não que o puxa pra frente palavras nos pêlos/na pele como pulgas, o focinho na lama as orelhas em pé/encolhidas fugindo dos zeros acossado dos maus menores à ruína maior/ acossado pelos males menores ao maior deles Cansado dos céus vazios, a garganta nua/lisa                                                                                       ele obedece ao primeiro que vem/chega e o pensa.   In: D.G: Schädelbasislektion. Frankfurt a.