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O INSTANTE


Desde que o silêncio reverberou pela primeira vez na mente do Homem (lembra que nasceste fazendo barulho, de que, ainda no útero, fácilmente audíveis são os reclamos de todos - muito antes de ultrassom), a sua luta para permanecer como parte integrante da Humanidade não teve descanso. Em vão. Quase ninguém sabe nada do silêncio, do seu valor, de que é um pilar sem o qual o equilíbrio não é possível. Não, não quero o silêncio de uma senhora ao lado do filho assassinado, silêncios forçados, silêncios armados, silêncios pagos. Queiramos algo que grite, mas que saiba silenciar a súcia, os latidos e rosnados, miados e chiados, sim, chega de buzinaços por falsos instantes de alegria que trazem com eles a contrapartida da alergia pesada, trazem com eles alguma répicla sempre com peso extra: a da destruição, do revide rubro. É isso aí: nada de dar a outra face e de abaixar o rabo, como o faziam antigamente os cães amestrados - não nós, os legítimos viralatas, donos absolutos do nosso cu e do nosso nariz, sendo que, em termos cainhos, ou caninos, ser "dono do próprio nariz e do próprio rabo" significa estarmos, os cães quadrúpedes, num ptamar nunca possível aos cães bípedes. Sim, o silêncio pode e deve, sim, ser quebrado, por exemplo, quando a partida termina - e é claro que se está de um ou do outro lado; porque caso fiques no meio, caso defendas tal equívoco, melhor não esperar que te venha buscar o definitivo silêncio. Nada de dar-se como vítima e algoz de si mesmo / a.


Texto: Darlan M Cunha 
Foto: Cristopher Clarey / NYT



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