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FERNANDO BOTERO (Colômbia) (A)TEMPORAL No seu tempo havia tudo do seu tempo, de outros tempos também havia, mas disso poucos tinham consciência, porque, no seu tempo, a terceira pessoa do pretérito perfeito do indicativo do verbo passar tinha uma conotação diferente da de hoje, aliás, este verbo já não existe, isso porque, hoje, de nada mais se diz que "passou", justamente porque passa tão depressa que ninguém percebe; de nada se tem saudade, lembrança nenhuma, esta é uma Era de solidão, de urros e mur®os, de membros cuja paridade é a da ruindade extrema, do mais exacerbado egoísmo, que o mundo mudou de fato para melhor e para pior, no qual episódios podem ser encomendados com qualquer antecedência, principalmente se urgente for a encomenda, o pedido sai no mesmo instante, e logo estarás com a arma do teu premeditado crimezinho de pulha, com a tua pífia organicidade dando peidos, a pressão alterada por tanta agonia à espera da felicidade de cravar no Outro o que ele mer
Музей Swarovski .Museu Swarovski MERCADO DE PULGAS Ali, uma boneca de trapos, talvez ainda com odores de onde veio, a chama de quem com ela se deitou. Ir à boca e ao estômago do domingo, às lesões do mercado de pulgas, lugar de sorrisos sobre o esmaecido de uma pintura e o fosco de uma peça de metal. É minha, levo essa, mas quero desconto. De pechinchas viver, mas será que estamos mesmo nos condenando cada vez mais e mais a colecionar ecos do Nada, ruínas ? Em frente, que atrás vem gente. Gostei dessa cadeira de vime, deixe-me olhá-la mais de perto. Alguma infância nela está, alguma velhice. Mas que beleza de instrumento. Meu avô materno tocava. Era alfaiate, e aqui tem muita roupa dos tempos antigos e novos, e até de épocas e feitios difíceis de se datar. Pulgas e pulgos. Um estojo de laca com borboleta desenhada na tampa, para jóias, lembranças e olvidos. Cardiopatia e fatias de gordura com sorrisos. Quem liga para a morte, em plena felicidade ? Vou levar, embrulhe. Texto: Darl
MULHER DE BICICLETA JOANES, SAPATO, IPITANGA   À beira dos rios Joanes, Sapato e Ipitanga, descarregou memórias e revigorou-se, ainda que indefinida tristeza o roesse. Voltou para casa com um novo canal aberto dentro de si por aquela presença líquida, morna e suave - que os conheceu próximos ao mar, nos seus últimos quilômetros. Guarda algo bom destes rios, algo assim como uma pausa num ensaio, uma ida à cozinha em busca de outro cafezinho (escritores agem assim), o término de uma cirurgia, quando a equipe médica retira-se para curar-se da exaustão, e assim por diante.Voltou com o sorriso dos rios e da gente amiga que o acolheu, e até hoje não desfez a mala. Hoje, reviu um destes rios num documentário, e lhe foi inevitável estar lá novamente, com os sentidos opressos, a química em desalinho, mas sempre há saída para o que é leve, e assim foi que pegou na memória e trouxe de lá peixes que nem os nativos e as nativas conhecem, é verdade, trouxe de lá peixes cuja visão
AS TELHAS, A PONTE Do meio do nada um grito ecoou (seria a lanterna dos afogados dando alarme ?). Súbita hora, dia nenhum a se lembrar com mais vagar e fundura das coisas que virão, sim, o dia esteja aqui bem exposto, e ainda mais o amanhã, porque devemos cuidar das nossas telhas, devemos olhar as estrelas, mas não através das telhas, e, sim, através do sentimento, mas voltemos às raias “de asfalto e gente que corre pela calçada, e entope o meio fio”, até porque não há nada mais interessante do que a desinteressante coisa de nome ser humano, sua arquitontura é - pelo menos para mim e para mais meia dúzia -, é algo digno de nota, mas amanhã será outro dia, nada será como antes, isso embora todo dia seja um dia sem nota de maiores esclarecimentos quanto à feitura de uma ponte sólida e linda que nos leve um ao outro. Texto: Darlan M Cunha Arte e Foto: Tânia Filippo