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DOIS TIPOS DE PÃO: trigo e livro Ficou gritando "que a esperança seja a penúltima a morrer", escandindo verbos e execrando adjetivos e quaisquer sinonímias que levem para fora o amor, enfim, perdido perdido – que o amor pode fazer muito mal. Então, num lapso raro, incrívelmente realista, eis que ele se saiu com essa, algo de si para si: "Vivo quase sempre só,   porque no fundo eu só amo a mim mesmo, por isso sei tão pouco do que seja um relacionamento, porque eu, consciente ou inconscientemente, logo o destruo, portanto, não sou como um circo ou um circense que levanta e abaixa a mesma lona todos os dias de sua vida. Não. Vivo de cabeçadas nos muros, de muro em muro, de urro em urro." E assim é esse tempo de crianças filhas de um carnaval murchando cada vez mais pela escassez de matéria prima para um riso sem manchas; eis, enfim, a alegria com uma perna quebrada, a troca da alegria pela alergia generalizada. Foto e texto: Darlan M Cunha
JUNHO O sexto mês entra na estrada do ano, descendo do sono para pôr a sua mesa o sexto mês do ano, e no meio dessa rede haverá peixes ou pássaros a serem capturados na forma de correspondências sob a porta, o costume das festas juninas, alguém pedirá alguém em sacramento, alguém pedirá divórcio, e alguém viajará para nunca mais; já é junho, as costas de maio ainda estão quentes sobre as pessoas, mas já se afasta, como é natural, junho já caminha real, mesmo de madrugada houve quem o recebeu de pé, o interior do país dorme, é dia noutra latitude noutras longitudes o pavor e o amor qualificam e desqualificam os seres, sim, junho veio para ficar durante trinta dias - a vida útil dessa planta da qual é natural esperar colher todos os dias o néctar revigorado. É junho, flores estalam, e o primeiro café do mês já está gritando. Poema: Darlan M Cunha Photo (from here): http://www.lowbird.com
NOTÍCIA Vivendo sempre com o rabo entre as pernas, sempre te observando, prenhes de muros de lamentações, e babas de rancores múltiplos, eles e elas vivem pendurados à sua mesmice de terra seca, embasados em boa parte pela cobertura de seus satélites, reagem à primeira profanação, sempre a priori, ardem ou labutam em silêncio, que o silêncio lhes é de ouro, candelabros de sete e nove pontas, de gold ou gulden é o silêncio, die gedanken sind frei, e alguém aqui ao meu lado lembra-se da canção cubana " los muertos de mi felicidad ", e lá vão elas e eles pela estrada de areias que reclamam para si, visto que misturadas à poalha de ossos de pretensos antepassados, yes, è vero, sempre com as pernas sobre o rabo é como se mostram no metrô e na tela - pelo salutar de certa ortodoxia, sempre observando as tuas íris marcadas, porque marcar o gado pelas digitais é caso passado; precisa-se então e sempre de novas defesas, de novos truques à base das lamentações, muros & l
THAT ARE DIFFICULT DECISIONS TO BE MADE Cortina de água era-lhe o rosto nas manhãs nas quais ficava sob intenso livor, típico de quem se sabe corte sem sutura; por isso eram difíceis aquelas manhãs nas quais roía o sangue da mesa e os ossos da clausura. Texto : DMC Arte: Louise Fishman
A SEDA rolavam dados e a aposta era eu misturavam dados e eu era o prêmio arremessavam dardos e eu seria a morte do que lhes restara de juízo; pois, assim como o fogo, o álcool não tem juízo, e o vento que nos une também nos separa Foto e poema: DMC
Nunca voltara a perguntar. Envergonhou-se de o fazer uma vez, de ter pensado que seu amor poderia ter fim ou medir-se como se mede o tempo das outras coisas. Não havia razão para lembrar onde, ou porquê, conheceu este rapaz de vinte e quatro anos. Era desnecessário carregar algo além do amor... CARLOS FUENTES. A morte de Artêmio Cruz, p. 55 
Minha literatura... andando (aqui, num lançamento no "Ponto do Tropeiro", BH, com o grande artista e meu leitor Etinho). MAIO É maio, o solo e as paredes da cidade fumegam com a sua entressafra de medo e de sementes de alegria permeando-lhe os primeiros passos, assim como aconteceu com abril e com todos os outros meses e anos, séculos e milênios; maio veio para trinta e um dias contigo e comigo, mas muitos não chegarão ao mês vindouro, isso porque é mesmo da vida dar lugar à sua antítese, então, vamos a ele, vamos fazer história, ao mercado, ampliar o leque de compras e trocas e vendas, assimilar novas perspectivas e dar peso ou mais leveza ao acervo geral; eis ali uma criança, és tu novamente; eis ali um ancião com o teu rosto de depois de amanhã, vamos a eles e elas, que o tédio não nos sirva para muita coisa, embora também ele tenha lá os seus encantos, como diz uma canção chinesa (tudo lá tem mil anos e mais),
                                                               Molly Bloom's soliloquy MOLLY ZOOM [NÃO] MORA LONGE são flores os dentes da infiel molly bloom redonda forma tem o bolo tipo molly zoom aquela que, mesmo descabelada, dá a exata conotação às nuanças do de trás e do da frente, dá nó em pingo d'água essa filha das nuvens, assim é molly cum cantada e decantada bebida destilada em sórdidos becos dublinenses e belo horizontinos, becos de todo lugar, provada em lúgubres e álacres motes & motejos, pobre garota rica molly sweet molly sempre dizendo algo misterioso como "seu ar não é o meu", molly glue sendo mestra em monólogos e poligamia [diálogos fortuitos] vive bem com a sola dos seus sapatos e com as unhas rachadas, enfim, com a sopa rala dos dias, recolhe membros feito colheitadeira roendo trigo milho e cevada pelas ruas cheias de flores plásticas e de lama, assim os traços e rastros até a casa da
arte: FÁBIO SILVA - Belo Horizonte, MG, Brasil AUSTRAL Longe do sul, os timbres diferem, parecem passos numa trama sinistra, talvez não, é que a gente pode se enganar, às vezes, é certo haver coisas lindas longe da tampa austral, feiuras com sombras maiores do que uma noite de punhais. Longe do sul pareceram-lhe álacres as ondas do mar, não tanto as ondas humanas tropeçando em favores nunca cometidos, mergulhando num palco escorregadio, sim, viajar para longe do sul valeu-lhe saber de fato onde fica o norte, bem como o leste e o oeste no seu perceber austral. Texto e foto: DMC
Dona MARIA JOSÉ, minha mãe - hoje: 80 anos CARTA À MÃE (n. 80) Querida MÃE, o que eu vou dizer que saiba dizer com a profundidade, a largueza e a altitude dignas da senhora, que hoje, 13 de abril de 2012, completa 80 anos com tanta alegria e disposição ? Ora, eu mesmo, seu filho mais velho, embora não o mais sábio, melhor, o único desmiolado, mal posso crer, porque sei do rosário de sofrimentos indescritíveis pelos quais a senhora passou, mormente nos últimos 28 anos – com a perda de irmão e irmã seus, bem como de três rapazes seus, estes num espaço fantástico de um ano e dez meses, e também com a perda de sua filha de 51 anos, há muito poucos anos, falecida e descansando longe de casa, a qual lhe deu três moças lindíssimas, por dentro e por fora. Dona MARIA, cá estou, lembrando-me de você levantando-se toda madrugada, em Joaíma e depois em Santa Bárbara e depois em BH, sem fazer barulho nenhum, após ter cumprido, morta de cansaço, seus deveres de esposa (
    WISLAWA SZYMBORSKA (Polônia) - Prêmio Nobel 1996 BREVÍSSIMA CONSIDERAÇÃO SOBRE A POESIA DE WISLAWA SZYMBORSKA A lucidez requer ferocidade, e o contrário disso é, para mim, tão claro quanto neve limpa e clara de ovo, ou seja, algo palpável, claramente perceptível. É por isso que a poesia da W. Szymborska é uma das raríssimas pelas quais pego uma cadeira ou me assento numa das muitas pedras que há no mundo, ou me assento no sanitário, quando não numa pracinha qualquer, e lá ficamos eu e ela traçando o futuro da memória – se é que haverá tal futuro. Ah, lembro-me aqui do J. L. Borges, num pequeno trecho que utilizei já em textos meus, ao aludir sobre a lucidez cruel da insônia, ao que acrescento a insônia cruel que a lucidez dá a quem consegue chegar e ficar por lá. Com essa polonesa dá para conversar - entre goles de risos pel infinita imbecilidade humana. Darlan M Cunha ***** FOLHETO Sou o comprimido calmante. Actuo em casa, sou eficaz na r
AMORFOS Que não me perdoe a natureza, por entendê-la plena de tipos amorfos, de ter com ela, vez que outra, venturas de bile, arcaica lavoura sendo a que existe entre nós, quando se trata de ódio puro e simples, melhor, de admiração ressabiada; mas também é lícito dizer que nos temos em alta conta, madrugada afora a natureza me encontra entre disrítmicos graves, e amorfos, aos quais falta o mais elementar dos membros: a cabeça, sim, é a cabeça, irmão, capaz de salvar-te de ti mesmo, irmã rua, irmão beco. Foto e poema: DMC
TODOS OS ANIMAIS ESTÃO ÁVIDOS Zangados pela fome da fala, em busca de raízes próprias vivem as aves pernaltas e os pássaros ladrões de comida vivendo no poleiro alheio os bichos mais diversos, alaridos grassando de forma impiedosa, crianças a cinco dinheiros, mulheres a troco de ferramenta qualquer, assim o barco: de cais em cais, de nuvem em nuvem atraindo gafanhotos e outros sectários, zangados porque vazios os trevos, alegria nenhuma no mundo dos bichos ocos, clavícula quebrada, as pernas  dilaceradas da honra, e eles são cada vez mais, ja, herr kommandant, und es werden immer mehr, all the animals were angry,* a ira de deus sendo piada, tão mimosa, flor venenosa   é a revolução dos bichos não acontecer, até hoje a sexolatria não deu em nada, e não se espere daqui mapa novo para a grande marcha, zangados estão os chicotes, e assim só lhes resta lanharem-se com as pimentas da ira e os ácidos do desdém. Foto e texto: Darlan M Cunha