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 WISLAWA SZYMBORSKA (Polônia) - Prêmio Nobel 1996


BREVÍSSIMA CONSIDERAÇÃO SOBRE A POESIA DE WISLAWA SZYMBORSKA


A lucidez requer ferocidade, e o contrário disso é, para mim, tão claro quanto neve limpa e clara de ovo, ou seja, algo palpável, claramente perceptível. É por isso que a poesia da W. Szymborska é uma das raríssimas pelas quais pego uma cadeira ou me assento numa das muitas pedras que há no mundo, ou me assento no sanitário, quando não numa pracinha qualquer, e lá ficamos eu e ela traçando o futuro da memória – se é que haverá tal futuro. Ah, lembro-me aqui do J. L. Borges, num pequeno trecho que utilizei já em textos meus, ao aludir sobre a lucidez cruel da insônia, ao que acrescento a insônia cruel que a lucidez dá a quem consegue chegar e ficar por lá. Com essa polonesa dá para conversar - entre goles de risos pel infinita imbecilidade humana.

Darlan M Cunha
*****


FOLHETO


Sou o comprimido calmante.
Actuo em casa,
sou eficaz na repartição,
sento-me no exame,
apresento-me em tribunal,
colo minuciosamente a louça partida.
Basta que me tomes,
que me ponhas debaixo da língua,
que me engulas
com um copo de água.

Sei o que fazer na desgraça,
como aguentar a má notícia,
diminuir a injustiça,
desanuviar a falta de Deus,
escolher o chapéu de luto a condizer.
Por que esperas?
Confia na piedade química.



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