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Um trago para a vítima sentenciada a si mesma, de ombros com o próprio além-lá.

















ACERCA DOS TRAGOS DESTA VINHA

Estava eu à toa na vida, quando o carteiro se fez cumprir ao entregar-me um estranho objeto pleno de símbolos, e mais que símbolos. Fiquei inerte, como fico quando diante de algo maior do que a minha pífia compreensão de tudo aquilo que seja de fina genealogia. Já refeito, abri-o.

Dou-lhes aqui e agora dois nacos desta mesa supimpa que é este livro do grande verdadeiramente poeta Geraldo Magela Reis, o seu premiado livro Durando entre vindimas (sou mesmo severo), o qual recebeu um dos mais conceituados prêmios literários do Brasil, que é o Prêmio Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte. Este é o de 1988. Sim, bestas cruas, porque há o de 1981 – mas esta é outra conversa, coisa para depois ou pra adispois.

Vosso serviçal.

*****

A MULHER NA JANELA

Esse prédio é bem alto,
é verdade,
mas não chega ao desespero.

É a solidão da cidade.

Meta-lhe a faca, a parede
é carne humana de fato.

Esse prédio, todo vesgo
concentra um certo aparato
de dar "bom dia" entre aspas.

Esse prédio tem calosidade nos olhos
e nos pés uma miopia ambulante

Dezessete cruzes no sangue
e outras tantas cruzes incontáveis

Ambulantes cemitérios quando
elevadores tantos emperrados.

É bem alto, é bem alto,
é verdade,
mas não chega ao desespero.

É a solidão da cidade.

Com rumores apenas dos amantes
seus suspiros embargados.

***

UM PRECIPÍCIO SEM RETORNO


Vamos e venhamos, Cláudio,
entre pastores
além do limo e das torres
e dos cavalos e dos bispos
e da usura, do ouro e das cirandas
circuncizar a cidade enquanto chove
pois de repente a vida é um precipício sem retorno.

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