FERNANDO BOTERO
(Colômbia)A BAILARINA, MINHA VIZINHA
Quando ela entrou pela minha porta, tinha um desvairado semblante, algo de uma assassina em fuga, algo de devedor contumaz, algo de alguém cuja sombra lhe é só incômodo, porque foi assim que tranpôs a minha porta: sem prévio aviso, como aquele aviso que nos mandam quando vão nos despedir da beleza que é o nosso emprego, ou seja, entrando sem gritar e sem balbuciar, mas no seu olhar estava toda a enciclopédia de que eu necessitava para traduzir-lhe as nuvens carregadas. Sentou-se frente a mim, dando um leve peteleco na cesta de vime das frutas, levantou-se, foi à geladeira (para que servem as amizades reais ?), de onde trouxe um copo de tinto seco, e ainda de pé disse-me estar precisando de mim, com urgência e sob sigilo. Quase fingi que não cri, quase ri, mas sou elegante, e prezo as reais amizades, porque são poucas. Levantei-me também, e fui à geladeira, após o que ouvi-lhe o arrazoado: uma sequência de rumos que lhe deram taquicardia, palor, sudorese e pressão arterial elevada. Disse que não haveria como voltar atrás, e que nem mesmo eu poderia retroceder, uma vez que tomasse conhecimento do sucedido, tanto em relação à sua pessoa, quanto em relação ao núcleo social do qual somos parte. Foi assim que ela me contou a história dela, de bailarina gorda, dos seus volteios pela vida, dos pássaros que há na mente dela. Ela voltou muito feliz para a casa dela, estou certo disso, pois até já me enviou dois convites para a sua estréia na Casa de Bailes Belas Damas. Irei.
Texto: Darlan M Cunha / Arte: Fernando Botero
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