Pular para o conteúdo principal

ANTOLOGIA DE ALGUNS ENGANOS

A tantos escudos tornar-se afeito,
por tantos desnudos tomar outros
eitos e, talvez, trejeitos

com todo o cuidado levar as mãos
aos seios, à boca, ao sexo, ao peixe
deitado no aquário, sim

de tanta fome corroída pela sede
maior de se querer dentro das coisas
e das gentes é que monto vigília

a estes ladrilhos e desmonto a quadrilha
que sobre tu e sobre mim
já se fazia raiz.

(DMC)



Auto-retrato com a musa

3

quem amo tem cabelos
castanhos e castanhos
os olhos, o nariz
direito, a boca doce.
em mais ninguém conheço

tal porte do pescoço
nem tão esguias mãos
com aro de safira,
nem tanta luz tão húmida
que sai do seu olhar,

nem riso tão contente,
contido e comovente,
nem tão discretos gestos,
nem corpo tão macio
quem amo tem feições

de uma beleza grave
e música na alma
flutua nas volutas
de um madrigal antigo
em ondas de ternura.

é quando eu sinto a musa
pousando no meu ombro
sua cabeça, assim
me enredo horas a fio
e fico a magicar.

(mantida a grafia original)
Vasco Graça Moura
nasceu na Foz do Douro (Porto), Portugal, em 1942. Mais
Opinião de Vasco Graça Moura acerca do ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA, do qual ele é contra, por achar que, entre outras considerações, o Acordo favorece geopolíticamente o Brasil.
*****

LAMENTO PARA A LÍNGUA PORTUGUESA

não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti, nem se imagina
que alguma vez alguma outra língua possa
pôr-te incolor, inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina. [...]

Este longo poema continua AQUI.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Tu te lembras, sim... Contos da minha casa - 5 Uma avó de uma amiga minha completou noventa anos – eu disse uma avó porque, afinal, todos temos mais de duas avós -, e as cantigas de sempre logo se fizeram ouvir, devido ao fato de que não há festa de noventa anos todos os dias, todos os meses, sequer todos os anos, não é mesmo, gracinhas e joões ? Embasado nisso, e embasbacado após ver uma linda foto da festa de aniversário 90 de uma avó de uma amiga minha (ufa !), fiz de conta que era comigo, e revi a minha avó, melhor, uma de minhas avós bem aqui ao lado meu, toda liru-liru , empetacadinha, lindinha e ainda e sempre brabinha que só ela. É... falo da minha avó paterna, cuja graça era Senhorinha, isso mesmo, basbaques, este era o nome dela registrado em cartório: Senhorinha Maria de Jesus. Era baixinha, muito brava, mas só de mentirinha, assim com um ar de Dom Casmurro (parte do livro, porque as partes do livro onde entra a tal da Capitu... isso aí, podem deixar de lado,
FLORES SÉSSEIS, VIDROS E ÁGUAS: CONSTELAÇÃO DE OSSOS 1. O ENCANTAMENTO PELOS MATERIAIS Vidros e águas se entendem, agarram-se uns aos outros como um pensamento bom atrai outro de sua estirpe, como as pedrinhas de um caleidoscópio fazem umas com as outras, ou seja, abraçam-se e soltam-se num emaranhado nunca igual, mas sempre com o intuito de união, sua sina sendo a de viverem unidas, mantendo a própria identidade – o que é cada vez mais difícil, mais improvável entre os humanos. Águas e vidros: água doce e vidro plano, água salgada e vidro temperado, água suja e vidro opaco, água limpa de bica e vidro colorido  de igrejas e bordéis, sim, de tudo se faz canção e caução, e o coração na curva de um fio d’água estalando gotículas nas costas dos lagartos (agora tu sabes a razão do sorriso do lagarto, uma delas), úvula e cio, nonada , tiros que o senhor ouviu... , o rio cheio de mormaço, espelho d’água é a sensação de um rio calmo calmo calmo, tu vais com ele, entras nele

calmaria

  Uma calmaria aparente dentro da aldeia, sobre ela uma zanga de nuvens - mas não se deve levar nuvens a sério, por inconstantes - sina - e levianas feito dunas e seixos escorrendo e escorregando daqui pra lá, de lá para além-lá, feito gente nos seus melhores e piores dedos, entraves, momentos, encontros e despedidas. Um gotejo aqui e ali, mas outro tipo de gotejo num lugar da casa vai trazendo à cena o verso do português Eugênio de Andrade (Prêmio Camões 2001), decifrando a lágrima: " a breve arquitetura do choro ." Darlan M Cunha