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O OVO DO DEMENTE


Nada visível é o ovo que aqui se canta
sem prévio aviso, água que se decanta
nalgum ermo da cidade, numa casa
cuja louça espera pelo molar e pelo siso
(quando não por outro parágrafo e seu inciso).

Nada visível é o estorvo que pode causar
este ovo, a priori, sem nenhum aviso
de que a água pode ser ou já estar
molesta, o que só se saberá a posteriori.

Algo visível é o esforço feito para se acusar
este ovo de megalomania, de algo qualquer
que o rache antes da hora; melhor é que
não ache saída o que lá está, e geme, noite e dia.

Bem visível é a ânsia do bicho dentro do ovo
do qual aqui se fala, ele com a sua gosma de bala,
filete de amor arranhado pela dor da (pa)lavra
impedida, que reluta, até que a sua flor se cala.


Foto e poema: Darlan M Cunha

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