Pular para o conteúdo principal
Uma possível trava na fala, no olhar...










Contos da minha casa – 4


Beijo partido ou queixo caído, o espanto diante de certas lembranças se deve ao fato de estarem ali mesmo, sempre guardadas ou resguardadas do mundo, inclusive de ti. Revês a casa onde por algum tempo viveste miséria e esplendor, algo de sonho e taquicardia

soprou para cima e para dentro de ti, enquanto os barulhos da cidade pareciam longe de reais, bonita pareceu-te a árvore em frente, esquecidas canções vindo socorrer-te diante da casa onde foste rei e assalariado, trigal e

ossário, nenúfar e comigo-ninguém-pode, sim, a vida é breve, a lágrima é uma antiga companheira desfazendo-se em sal e doçura mais profunda, a lágrima encurta ou alarga a distância entre as pessoas, e agora mesmo

regressas, cabisbaixo, para a tua nova casa em novo bairro talvez mesmo nova cidade ou até mesmo um novo país te segura pelas pernas, mas não pela mente ou pelo coração, sim, vais aos talheres vais ao corpo

flácido da poltrona vais ao copo de lã ou de cólera ou de impotência sobre a mesa e a cama está o amor que rói os peixes e as aves, sim e não, já se disse que a vida é breve, e agora que estás cozinhando, tempera o beijo partido e

o queixo caído diante das realidades, eis que o assombro já não faz tanto parte da tua visão de mundo, ou nada, mas a vida continua, hoje é domingo, amanhã o caminhão de lixo passará de tarde, tarde nunca será

para ti que amas os talheres da tua casa e gostas do calor das estantes toscas e do colar de plantas, e tímidamente esfregas o sexo no esquecido nexo de um amor nunca resolvido a contento, lá longe está o mar

bem perto de ti está o que te aperta e acalma. Tua casa tem contos. Conta.

Comentários

  1. Nem sempre mudanças são coisas ruins...
    dá uma certa nostalgia olhar para os lugares onde moramos, mas a lembrança fica com a gente, só coisa boa.
    ;)
    Zana

    ResponderExcluir
  2. Nem sempre... Tu tens razão.

    Abraço, ZANA.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Bem-vindo, Bem-vinda // Welcome // Bienvenido

Postagens mais visitadas deste blog

alto & baixo

Barreiro - BELO HORIZONTE, MG * Todos fogem, querem mudança em sua mesmice, novos degraus com textos e tetos, de um modo ou de outro, sentem que a vida é minuto, frutas murcham depressa, animais logo estão cada vez mais sisudos e mal-humorados, e assim chegam às monstrópoles, às suicidades. * Darlan M Cunha  

calmaria

  Uma calmaria aparente dentro da aldeia, sobre ela uma zanga de nuvens - mas não se deve levar nuvens a sério, por inconstantes - sina - e levianas feito dunas e seixos escorrendo e escorregando daqui pra lá, de lá para além-lá, feito gente nos seus melhores e piores dedos, entraves, momentos, encontros e despedidas. Um gotejo aqui e ali, mas outro tipo de gotejo num lugar da casa vai trazendo à cena o verso do português Eugênio de Andrade (Prêmio Camões 2001), decifrando a lágrima: " a breve arquitetura do choro ." Darlan M Cunha
  TREM DOIDO DE BOM     Lembrei-me, neste instante, de um termo jocoso, bem capiau, daqueles que deixam o cabra assim meio na dúvida, ou seja, se está sendo gozado, ou não, porque é mesmo engraçado, simplório. - "O senhor tem canivete aí, do tipo de folha larga, assim de um dedo de largura, bom pra picar fumo, e outras coisas ?" - "Bão, tê, tem, mais já acabô. Mais iêu vô di pudê incumendá pro Snhô Voismicê lá na capitá Béózônti, qui daqui trêis día, sem saculejo di atrazo, já tá aqui incima du barcão, prontim pra Vossa Sinhuria fazê uso do bichão, qui é mêrmo muito bão." - "Pois o senhor me faça o favor de pedir um para mim, de preferência com cabo de madrepérola, mas se não tiver, que seja de cabo de osso." - "Será feito, patrão. Agradicido."   _  Darlan M Cunha