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Lygia Pape - Teia                Observar certos trabalhos artísticos, e também trabalhos rudes como os do mar e os da agricultura pode nos levar a sensações algo adormecidas, lembranças de que tens algum conhecimento acerca disso e daquilo, e assim, com certeza, ainda que de leve, de maneira quase imperceptível a palpitação aumenta, o riso pode dar as caras.      Esse trabalho aí acima me leva para a Rota da Seda, um primor do conhecimento, algo de vital importância para a História, porque você pode imaginar os diversos climas, diversos idiomas e dialetos, milhões de escambos, caravanas com centenas de camelos, a neve e a natural inclemência dos desertos, cidades como Antióquia, Cabul, Damasco, Cio, Tashkent, Petra e tantas outras; atravessando países como China, Pérsia, Índia, enfim, como se fosse uma cobra gigantesca arrastando-se por grande parte do mundo, passando pelo Mar Negro e o Mar de Marmara, passando pelos Balcãs até chegar, por exemplo, à feia Veneza. F
Arthur Bispo do Rosário (1911-89) - 84,0 x 55,4cm Rio abaixo o sorriso escorrega feito uma longa caudal dentro de outra, cada vez mais avassaladora. Claro que o rio não passará em branco pelas inúmeras aldeias que ele visita, e que em seu bojo leva sempre o que há de bom e de ruim no mundo: o riso franco de alguém,   mas as feridas antigas e novas não turvarão a descida dele até o mar, mesmo que outro redemoinho funesto se faça nestas duas caudais viajando abraçadas: o rio e o risco. Poema: Darlan M Cunha
Maria Torres (Tumblr)      Escuta bem o tempo, como se os alarmes estivessem entre algodão, à maneira como se faz com joias, cristais, tesouros de família, objetos exigindo devoção, sufocados, sem direito à respiração pausada. Não, certos ares são impossíveis de se dar às relíquias familiares, e muito menos aos ícones sociais, à pena imposta pelo olhar social. É de se admirar então que depois de tantas curvas, subidas e descidas, espasmos dados pelo cotidiano, até talvez um dia a criatura chegar às pontes de safena, o coração resista, e até nos induza a ir mais longe, desprezando a fala desiludida de que trabalhar cansa, crente que o ócio também tem seus encantos. Sim, eis a matéria da qual é feito o cotidiano: dualidades. Assim, é preciso ter como certo que mesmo quando arrancado o coração pode sobreviver. Texto: Darlan M Cunha Arte: Maria Torres
Taueret - deusa egípcia da fertilidade Amarra a esse tronco invisível o teu medo, cobre com honra a tua infâmia, mede cada côvado de terra com os tremores dos teus membros, mas nunca te esqueças    da grande caudal que só Eu sou. poema: Darlan M Cunha
S. L. Lowry (1887-1976, Inglaterra) aprendiz e mestre unidos e separados por uma fonte de dúvidas haikai // haiku: Darlan M Cunha *
                                                                          Alice Shintani - quimera 2007 Quando o primeiro homem sem cabeça apareceu, não houve quem pudesse crer em mais nada, e durante muito tempo as coisas ficaram tão confusas na aldeia, que nem mesmo as crianças - em geral sábias - souberam como utilizar o tempo e o espaço, ou otimizá-los, ou compartilhá-los, segundo a linguagem do momento . Ora, homem sem cabeça é algo tão antigo quanto a água, de tal sorte que muito antes da invenção de deus e do diabo, pelos espertos das torás e suratas da vida, e afins, o famigerado homem sem cabeça já vagava sem maiores percalços pela amplidão do mundo - falésias, furnas, mesetas, istmos, ilhas e pauís ou pântanos. Sim, ele já se estrepava nos cactos, trocava rumos e urros com a caça e a pesca, até que chegou o tempo a partir do qual, premido por instâncias que nem a neurologia, a genética, a antropologia, a sociologia, a arqueologia e muito menos a psicanálise
  Tikashi Fukushima - Montanha, 1992 Montanha Pegar de leve nas mãos da montanha, coçar-lhe a nuca e os pés, até que as queixas mais breves desapareçam  em meio ao que as nuvens (sempre imprevisíveis) despejem ou não sobre ela e sobre os que abaixo dela choram por não terem colhido os frutos da estação. Poema: Darlan M Cunha
Tomie Ohtake  - Influxo das formas Quando a boca se cala ninguém pode ir em seu socorro, dementes todos diante da boca sem fala. Eis a boca no seu turno de silêncio, com ou sem anuência geral, filtrou o impossível, bem ou mal nos reptos da rua, pilhou pares em pleno fel, foi   lua e limpou o rés do chão de alheia festa, que a boca é isso: se se gaba demais é indigesta; se não diz nada cai no esquecimento, dando   de compor para a ausência (sentida por alguns, talvez) uma  vírgula ou petição; enfim, o mais que perfeito  chiaroscuro  de sua intenção. poema: Darlan M Cunha Imagem : https://br.images.search.yahoo.com/search/images;_ylt=A0LEV2qs.khUL.oAF4_z6Qt.;_ylu=X3oDMTB1MGJ1ODhjBHNlYwNzYwRjb2xvA2JmMQR2dGlkA01TWUJSMDNfMQ--?_adv_prop=image&fr=mcafee&va=tomie+ohtake