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FERNANDO BOTERO


Pois o mundo é roda viva, e enquanto fatos apenas ameaçam serem fatos, uma moça deita-se com um livro, e aborda com ele uma dúvida, uma quase certeza, uma certeza, porque a moça, de dentro e do alto da sua monumental solidão, quer mais do que apenas pentear cabelos, muito mais do que somente beliscar o pão que sobre a mesa sorri para ela, quer mais do que perceber que o vizinho deu um tiro pela culatra, que os documentos não ficaram prontos, que a correspondência está atrasada, ora, a moça não quer, de jeito nenhum, ficar nua impunemente. É isso: o natural parece estar cada vez mais distante, e assim ela revira os poros e os olhos do livro, à procura dos próprios olhos, já quase tão descrente e demente quanto o próprio mundo lá fora, que o seu mundo começa nalgum lugar ainda indefinido, ainda sem encontro marcado com o plantador.

Texto: Darlan M Cunha

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FLORES SÉSSEIS, VIDROS E ÁGUAS: CONSTELAÇÃO DE OSSOS 1. O ENCANTAMENTO PELOS MATERIAIS Vidros e águas se entendem, agarram-se uns aos outros como um pensamento bom atrai outro de sua estirpe, como as pedrinhas de um caleidoscópio fazem umas com as outras, ou seja, abraçam-se e soltam-se num emaranhado nunca igual, mas sempre com o intuito de união, sua sina sendo a de viverem unidas, mantendo a própria identidade – o que é cada vez mais difícil, mais improvável entre os humanos. Águas e vidros: água doce e vidro plano, água salgada e vidro temperado, água suja e vidro opaco, água limpa de bica e vidro colorido  de igrejas e bordéis, sim, de tudo se faz canção e caução, e o coração na curva de um fio d’água estalando gotículas nas costas dos lagartos (agora tu sabes a razão do sorriso do lagarto, uma delas), úvula e cio, nonada , tiros que o senhor ouviu... , o rio cheio de mormaço, espelho d’água é a sensação de um rio calmo calmo calmo, tu vais com ele, entras n...
 mudança * De repente, de modo suave, você se lembra de quando chegou à cidade grande para continuar a estudar, depois veio o Exército, o emprego federal, mochila e violão nas costas, enfim, uma infinidade de erros, de riscos e risos, o amor que rói os tigres, de acordo com um livro cubano, se não me falha a memória com centenas de livros, se não milhares, sim, de repente, você pensa nas pessoas mudando de casa e de cidade, de postura perante a vida (uma luta difícil); quando se muda de casa, vai com a gente uma dupla sensação: de alívio, e de peso pelo que se viveu, a visão a partir da janela, tiques de vizinhos, uma praça e uma pessoa amiga com a qual foi possível conversa de gente grande. Neste momento, pessoas estão carregando ou descarregando móveis, apreensão e entusiasmo, que a vida é breve. *** Darlan M Cunha