Pular para o conteúdo principal
Tinham consigo que o pântano era real, factível o sonho, terno e também abrupto o desejo, e inevitável a vitória - desde que juntos estivessem.








Um dia a porta da casa tremeu de modo único, diferente de tudo de todos que por ali tinham deixado marcas, ou tentado, sim, o meio-fio entupido de sarcasmos ali nunca antes concebíveis, flores cegas, flores tornadas cegas pelas próprias vestes, pássaros todos eles sem pássaro algum na garganta, sol nenhum nas unhas das galinhas, nas escamas dos peixinhos perdidos nalgum aquário de mall, sim & não, o impacto foi avassalador, olhos nos olhos nunca fora mesmo um hábito daqueles habitantes, e muito menos agora o seria, agora que aquela catástrofe maravilhosa cercara o lugar, mulheres sempre elas as mulheres dando tudo de si através daquele riso insuportável de que só as mulheres - e só as mulheres loucas - conhecem os meandros, os travos e os mais íntimos falatórios. Ah, que dia, que noite, que ausência de dia, um dia sem data na porta daquela casa.
DMC
******

Excerto de RAYUELA [28]

El verso había saltado de la memoria como las caras bajo la luz del fósforo, instantáneo y probablemente gratuito. El hombro de Etienne le daba calor, le transmitía una presencia engañosa, una cercanía que la muerte, ese fósforo que se apaga, iba a aniquilar como ahora las caras, las formas, como el silencio se cerraba otra vez en torno al golpe allá ariba.
JULIO CORTÁZAR
******

Poema de Darlan
LIGA

Liga o teu pulso ao frágil, aos ecos
de toda manhã dá ouvidos
e faze com que a cerca nunca seja
levantada, já que contém a própria argamassa da miséria
o esplendor de um par
de unhas segurando o cristal. Cuida então dos teus mínimos
e máximos incomuns, cuida dos venenos adocicados,
e eu cuidarei para que comigo vás para trás de onde
as portas do Inferno que para ti preparo
se fechem sobre todos

os nossos traços.
******
foto: Anita Garibaldi

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FLORES SÉSSEIS, VIDROS E ÁGUAS: CONSTELAÇÃO DE OSSOS 1. O ENCANTAMENTO PELOS MATERIAIS Vidros e águas se entendem, agarram-se uns aos outros como um pensamento bom atrai outro de sua estirpe, como as pedrinhas de um caleidoscópio fazem umas com as outras, ou seja, abraçam-se e soltam-se num emaranhado nunca igual, mas sempre com o intuito de união, sua sina sendo a de viverem unidas, mantendo a própria identidade – o que é cada vez mais difícil, mais improvável entre os humanos. Águas e vidros: água doce e vidro plano, água salgada e vidro temperado, água suja e vidro opaco, água limpa de bica e vidro colorido  de igrejas e bordéis, sim, de tudo se faz canção e caução, e o coração na curva de um fio d’água estalando gotículas nas costas dos lagartos (agora tu sabes a razão do sorriso do lagarto, uma delas), úvula e cio, nonada , tiros que o senhor ouviu... , o rio cheio de mormaço, espelho d’água é a sensação de um rio calmo calmo calmo, tu vais com ele, entras n...
foi uma sensação sem punhos, sem lábios, indício algum de ter existido Quando será que na ocidental sociedade (porque nas outras sociedades, parece, este é um caso perdido, sim, pois nos fazem vê-las, a elas, como casos perdidos. Há sociedades em que as mulheres não têm nem mesmo um nome), repito : quando será que as mulheres não perderão seu nome de solteira após casarem-se - a não ser que o queiram perder, por livre e espontânea vontade, e não pelo arraigado costume de se reconhecer mais esta submissão a que foram e ainda são submetidas perante os homens, costume este que continua roendo-lhes os dias e vazando-lhes as noites ? (DMC) ****** Poema de Astrid Cabral (1936- , Brasil) O FOGO Juntos urdimos a noite mais seu manto de trevas quando as paredes recuam discretas em horizontes de além-cama e num espaço de altiplano rolamos nossos corpos bravios de animais sem coleira e juntos acendemos o dia em cachoeiras de luz com as centelhas que nós seres primitivos forjamos com a pedra las...
 mudança * De repente, de modo suave, você se lembra de quando chegou à cidade grande para continuar a estudar, depois veio o Exército, o emprego federal, mochila e violão nas costas, enfim, uma infinidade de erros, de riscos e risos, o amor que rói os tigres, de acordo com um livro cubano, se não me falha a memória com centenas de livros, se não milhares, sim, de repente, você pensa nas pessoas mudando de casa e de cidade, de postura perante a vida (uma luta difícil); quando se muda de casa, vai com a gente uma dupla sensação: de alívio, e de peso pelo que se viveu, a visão a partir da janela, tiques de vizinhos, uma praça e uma pessoa amiga com a qual foi possível conversa de gente grande. Neste momento, pessoas estão carregando ou descarregando móveis, apreensão e entusiasmo, que a vida é breve. *** Darlan M Cunha