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imagem: IMOTION 


SANCHO & QUIXOTE: DOIS PERDIDOS NUM RITMO ÚNICO




Batendo a cabeça contra ventos de cuja rudeza nem desconfiavam, ambos
foram abrindo caminho entre escarpas e águas, nódoas  
e vícios algo diferentes daqueles que separaram esparta e atenas 

uma da outra; pelo que, procurando bálsamo com o qual conter
o desespero de quem se sabe corte sem sutura, solilóquios
à parte, cometeram ermos, até toparem com o cerne do crime
pretendido: curvas e retas da Mancha, ângulos do mundo
nos cascos da mula e do cavalo Rocinante,
lá pras bandas do reino de Micomicão

então, ensejando lâminas sobre lâminas, os quatro, antes que engolissem
em seco a patranha geral, ou a palo seco a memória
futura, limparam-se do humano
demasiado humano entulho, e se foram; e assim

diante do jeito gozoso da fábula que se esparramaria geral, cuidada
com esmero de nova soberania, perceberam que todos parecem se esquecer
que um desagravo deixa certas pessoas prevenirem-se, prontas
para o retorno ou réplica, porque o sangue, por ser inquieto sujeito 
sem rimas, exige encharcar algum areal.

Ora, tenha-se dinheiro em penca, ou que se seja bacalhau de porta 
de venda, o fato é que demorar-se numa esquina atrai ímãs
doentes, e por isso entraram de cabeça na Dúvida, para além do bem
e do mal que, muito antes deles, atenas e esparta
não souberam que existia – um saber

que só se abriu nas alpercatas
de Sancho y Quijote.


Poema: Darlan M Cunha
 


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