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Um belo pescoço tem a alegria

1.

Então, chega para ti o dia em que vislumbras o que faltava para que a música se fizesse total, do jeito que gostas, mereces e necessitas; o que faltava para que a planta vencesse o obstáculo da grade em torno do jardim, para que o teu assunto diário não ficasse restrito ao de animais caseiros, e assim, imediatamente, já começas a te sentir melhor, alguém mais ávido de si mesmo, pessoa

viva, e todos aqueles desejos não atendidos por vários motivos que, em última análise, eram um só motivo, voltam a viver e a pedir e até mesmo exigir-te atenção redobrada, uma afeição para com aqueles sentimentos (inclusive o da dúvida e o do desespero) que estiveram contigo quando ainda contigo o ânimo não dormia - ou o fazia de modo quase imperceptível, sim

estás contente que um fio de luz (é muita coisa um fio de luz) estica para ti o possível e o impossível, e então ardes e gritas, avisas aos amigos e amigas, esperneias e até mesmo bebes umas & outras e comes um assado e uma fritura e o sexo cria asas, sei lá...

o fato é que endoidas de vez porque uma série de caminhos, trevos e atalhos se abrem a partir de um único caminho, da oportunidade que, enfim, chegou sem cerimônia alguma, sem vergonha mesmo, e por aí vais (Ah, tristeza me desculpe / estou de malas prontas...).

*****

2.

Estás de bem com as hortaliças sobre a pia, contando os minutos para entrares em ação na tua nova ocupação, e o jeito do corpo é o que menos importa, e o cansaço inicial e os tremores iniciais não te fazem receio, porque estás ciente de teres voltado ao teu estado de normalidade, que é também o de estares pondo em prática as tuas idéias, as tuas habilidades laborais. As mãos e os pés

não se esquecem de quase nada, de quase nada, e assim é que as janelas estão mais anchas e mais largas também as vozes que te medem com um Bom-dia diferente, mais sonoro (parece-te, porque tudo é suave para quem é feliz), e pensas num presente para certa pessoa, sim, pensas em quem te fez

bem, às vezes, só com umas simples palavras complexas, as amigas, e agora já não achas mais que as tuas roupas estão desconexas, nem velhas as sandálias, sapatos ou tênis já meio-fora-de-moda... não, já podes querer novas coisas que não o te martirizares em perder uns quilos às custas do bom humor, às custas do tempo para um livro

ou para um passeio no parque, ora, a fenda na porta pode esperar até o dia em que te separarás de toda porta, em definitivo.

*****

3.

Já avisaste às pessoas mais próximas, e agora é hora de outros saberem sobre o teu estado de espírito: mentaliza, e podes desde já começar a preparar pratos e copos para os convidados de longe e de perto também... a vida é triste, carrega o que inventa

e o que não inventa, mescla de tudo e de todos, a vida tem dores e cansaços, e pede não a deixes na rua nem numa mesa farta, mas solitária, nem num quarto onde o sono seja impossível;

a vida pede que a aceitemos, embora, muitas vezes, estejamos longe de coisas e animais, e de nós, é... reage contigo que agora olhas com outros poros as mesmas sensações de ontem, vendo melhor a cor do umbigo da borboleta e o colar de lágrimas nas asas de uma joaninha,

ali, a dois dedos de distância do teu nariz - o mesmo nariz que achou a pista para o trabalho externo, embora careçamos sempre de bons contatos com que nos orientarmos, embora se creia no chamado fator sorte de se estar no momento certo, no lugar certo, e assim tirarmos proveito do que nos diz respeito, elegantemente.

Sim, os novos dias teus estão mandando recado para o mundo, e já na minha porta batem as primeiras alvíssaras, ou boas novas. Agora, sei que sorris ainda mais cláridamente. Preciso de um trago, de ar, de algo com que ir à compreensão maior...

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