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FLORAL

Simples assim é o modo como alguém se contenta com o fato de que toda manhã lhe seja breve, e a que a tarde não lhe escape sem que algo maior do que um susto qualquer lhe caia por cima e lhe encha de prioridades o dia imediato. Sim, somos todos ávidos pelo que não somos, esquecidos das marcas d´água em nossas paredes, desejosos de continuar a colecionar bandeiras e gatos, a pousar sobre resquícios de felicidade uma cachoeira vista nalguma folhinha, alguma fagulha vista num sonho.

Sim, senhor, não somos mais velhos do que nos sentimos -diz o barbeiro ao cavalheiro, em Morte em Veneza. Es ist Zeit, Luft zu holen. Die Gedanken sind frei. Fazer amigos nunca deixou de fazer parte da história de ninguém, e isso, parece, torna-se de cabal importãncia nos dias de hoje: dias sem data, nome ou sobrenome de se levar a sério.

O memorando está quase pronto, nunca pronto, e as costuras se advertem de que apenas isso ou aquilo não basta para que o sorriso não se torne apenas o documento mais fácil de ser posto de lado, manuseado, falsificado em todas as suas rugas.

Estamos, senhoras digníssimas e senhores respeitáveis, diante de nós. Que nos baste.

DMC
***

Um poema de FERREIRA GULLAR

As frutas sem morte
não as comemos.
Essas
que uma outra fome, clara,
segura.
Essas
suspensas lá onde o silêncio,
não bem como uma árvore
de vidro,
frutifica.

Ouve jorrar a morte
no teu riso, a alegria
queimando a vida;
os teus bichos domésticos,
as flores infernais
a rebentar os passos.

Agora, eu te falo duma água
que não te molha a mão
nem reflete
o teu rosto casual.

O odor
do corpo é impuro,
mas é preciso amá-lo.
Nenhum outro sol me clareia,
senão esse, mortal
como um pássaro,
que meu trabalho acende
desse odor.

E é assim que a alegria constrói,
dentro de minha boca,
o seu cristal difícil.
***
foto: Koen van Weel / Reuters

Comentários

  1. Palavras profundas... Senti um quê de mágoa...

    Moço, amei o poema lá no meu canto, me desculpe o sumiço, mas as coisas estão todas de pernas pro ar na minha vida, e só agora eu me acostumei com a bagunça...

    Beijos,

    Nina

    ResponderExcluir
  2. Aqui! Este seu blog é pra ninguém botá defeitos, amigo Darlan.Desta vez vim apenas conhecer e agradecer sua visita e palavras amigas, e embora eu tenha dado uma olhada geral aqui, percebi que tenho de voltar com mais tempo e ver demoradamente, porque tem muita coisa boa. Um abraço.

    ResponderExcluir
  3. Oi Darlan !

    Obrigada pela visita !

    Seu blog é juito bacana e você escreve muito bem. Não tenho esse talento... prefiro falar através das fotos.

    Achei também o máximo o capacete nazista para a Copa ! hehehehehehe
    Divertido ,né ?

    Bom final de semana !

    Susana

    ResponderExcluir
  4. Oi, Darlan, vim lhe visitar :)
    Essa é a segunda tentativa de deixar um comentário. Na anterior, deu um "blink" no meu pc e fechou tudo, tive que reiniciar... Ai, que réiva!
    Tô vendo aqui a foto que vc falou :) Tempo de Copa do Mundo, Brasil na boca do mundo! Ontem vi um cara no ônibus, lendo um jornal, seção de esportes (sim eu bisbilhoto o que as pessoas estão lendo no ônibus, hehe), mas o interessante foi ver que na jaqueta jeans que ele usava estava cheia de bandeirinhas e tinha uma do BRASIL!! É engraçado como a gente reconhece de longe alguma cor, bandeira brasileira.

    Sobre o seu texto, e quem não é assim?
    Acho que tem um pouquinho de todos nós nele. (A minha parte está ali, colecionadora de gatos! haha. Entre outras!)

    bjs
    Zana

    ResponderExcluir

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calmaria

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