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O mesmo de ontem, mas diferente.



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 1.
     O que há de desnaturado no verbo somar, ainda que ao somar ele carregue consigo o verbo subtrair ? Ora, isto é natural, sempre foi, é e será. Alguém sempre perde algo no jogo: cesto, tijolo, bicicleta, a casa). Ó, quanto há de sombrio em certos sorrisos e certos apertos de mão ? Isto só se sabe depois que o rastilho de pólvora chega ao fim.


2.
      Dominus vobiscum. Um dia - já era madrugada - eu e o amigo e vizinho voltávamos da balada, quando de repente Deus saltou à nossa frente e, sem sequer me notar, pregou-nos o óbvio, qual seja, um tenebroso, melancólico e enjoativo sermão, pelo que nos fizemos de desentendidos, deixando-o estático no passeio público. O sermão durou uma eternidade. Nem sei onde ele dormiu - talvez no hotel central ou na pensão da Dona Cacilda, os únicos lugares para isto nesta aldeia.

3.
      Na sexta-feira santa do ano passado, eu e o meu amigo e vizinho estávamos em casa, bebendo umas e outras, churrasco, casos, impostos, além de referências sobre barragens de água e de rejeitos de minérios, livros lidos e não lidos, viagens ["viajar é mais"], família, porque não nos apetece a choradeira e a rezação de toda uma semana tida como santa - e nós pecando. Pois bem, de repente, o próprio Belzebu, sem nenhuma cerimônia, sentou-se ao nosso lado, serviu-se de cachaça e lascas de churrasco, bebeu cerveja, e só então nos cumprimentou... e estamos de conversa até hoje. Bom rapaz.

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Foto e texto: DARLAN M CUNHA

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alto & baixo

Barreiro - BELO HORIZONTE, MG * Todos fogem, querem mudança em sua mesmice, novos degraus com textos e tetos, de um modo ou de outro, sentem que a vida é minuto, frutas murcham depressa, animais logo estão cada vez mais sisudos e mal-humorados, e assim chegam às monstrópoles, às suicidades. * Darlan M Cunha  

calmaria

  Uma calmaria aparente dentro da aldeia, sobre ela uma zanga de nuvens - mas não se deve levar nuvens a sério, por inconstantes - sina - e levianas feito dunas e seixos escorrendo e escorregando daqui pra lá, de lá para além-lá, feito gente nos seus melhores e piores dedos, entraves, momentos, encontros e despedidas. Um gotejo aqui e ali, mas outro tipo de gotejo num lugar da casa vai trazendo à cena o verso do português Eugênio de Andrade (Prêmio Camões 2001), decifrando a lágrima: " a breve arquitetura do choro ." Darlan M Cunha
  TREM DOIDO DE BOM     Lembrei-me, neste instante, de um termo jocoso, bem capiau, daqueles que deixam o cabra assim meio na dúvida, ou seja, se está sendo gozado, ou não, porque é mesmo engraçado, simplório. - "O senhor tem canivete aí, do tipo de folha larga, assim de um dedo de largura, bom pra picar fumo, e outras coisas ?" - "Bão, tê, tem, mais já acabô. Mais iêu vô di pudê incumendá pro Snhô Voismicê lá na capitá Béózônti, qui daqui trêis día, sem saculejo di atrazo, já tá aqui incima du barcão, prontim pra Vossa Sinhuria fazê uso do bichão, qui é mêrmo muito bão." - "Pois o senhor me faça o favor de pedir um para mim, de preferência com cabo de madrepérola, mas se não tiver, que seja de cabo de osso." - "Será feito, patrão. Agradicido."   _  Darlan M Cunha