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cama de faquir



Homem deitado à maneira faquir
já nem homem é, embora pareça
convidar os transeuntes a vê-lo
de dentro da multidão rondando
feito piorra a ossada estendida
na cama de pregos, feito faca
só lâmina expondo seu dilema,
pois o mundo tem muitas faces
todas elas bem presas a limites
ou a antíteses cujos degraus
mensuram o esforço e a apatia;
e assim há dervixes e faquires
astronautas e ladrões e emires,
porque a cidade é larga e vive
de tributos por encomendar lutos,
pelo que enquanto uma laranja
escorre dos dedos da manhã
a ossada, viva, continua em transe,
alheia ao humo a boca do escárnio,
alheio a fotos o rosto do espasmo, 
ciente de que haverá cama para todos
cedo ou tarde todos serão faquires
e o mago parece sorrir para uma flor
amenizando-lhe o rude travesseiro. 
O visitante afasta-se, mensageiro.



Foto e poema: Darlan M Cunha


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