Pular para o conteúdo principal




O BUDA SENTADO



O buda sentado não carecia de jogos de azar, mas revirava a memória

rumo à rota da seda, bebendo algo indecifrável, o iluminado olhava de soslaio

a quem ousasse o que não ousava: cometer desatinos, matando mulheres

e filhas (mulheres valiam pouco já àquela época), não, ele não saía de si

a não ser para comer maçãs e praticar a lavoura arcaica de beber um copo

de cólera antes de libidinagens com vacas e ovelhas, saltando cercas

esse pai de profetas e de outros menos virulentos e menos votados, 

sabendo que a sinistra e a destra costumam estranhar-se, pelo que as imergia 

no lodo, sempre atento ao silêncio das possíveis presas, sim, era notório que

o buda sentado já não se bastava a si mesmo, e as más e as boas línguas

atestando que a sua fisionomia denotava anseios bem visíveis em cada folha

sobre a qual estendia a mão com a qual proferia novas e antigas

admoestações ao vício, esquecido do próprio vício de entornar sobre a plebe

seu ralo diário. Há de se convir que o mundo bem fez ao esfolar gautamas.





Texto: Darlan M Cunha

Imagem: espada-samurai-imagem-9-PNG
 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FLORES SÉSSEIS, VIDROS E ÁGUAS: CONSTELAÇÃO DE OSSOS 1. O ENCANTAMENTO PELOS MATERIAIS Vidros e águas se entendem, agarram-se uns aos outros como um pensamento bom atrai outro de sua estirpe, como as pedrinhas de um caleidoscópio fazem umas com as outras, ou seja, abraçam-se e soltam-se num emaranhado nunca igual, mas sempre com o intuito de união, sua sina sendo a de viverem unidas, mantendo a própria identidade – o que é cada vez mais difícil, mais improvável entre os humanos. Águas e vidros: água doce e vidro plano, água salgada e vidro temperado, água suja e vidro opaco, água limpa de bica e vidro colorido  de igrejas e bordéis, sim, de tudo se faz canção e caução, e o coração na curva de um fio d’água estalando gotículas nas costas dos lagartos (agora tu sabes a razão do sorriso do lagarto, uma delas), úvula e cio, nonada , tiros que o senhor ouviu... , o rio cheio de mormaço, espelho d’água é a sensação de um rio calmo calmo calmo, tu vais com ele, entras n...
foi uma sensação sem punhos, sem lábios, indício algum de ter existido Quando será que na ocidental sociedade (porque nas outras sociedades, parece, este é um caso perdido, sim, pois nos fazem vê-las, a elas, como casos perdidos. Há sociedades em que as mulheres não têm nem mesmo um nome), repito : quando será que as mulheres não perderão seu nome de solteira após casarem-se - a não ser que o queiram perder, por livre e espontânea vontade, e não pelo arraigado costume de se reconhecer mais esta submissão a que foram e ainda são submetidas perante os homens, costume este que continua roendo-lhes os dias e vazando-lhes as noites ? (DMC) ****** Poema de Astrid Cabral (1936- , Brasil) O FOGO Juntos urdimos a noite mais seu manto de trevas quando as paredes recuam discretas em horizontes de além-cama e num espaço de altiplano rolamos nossos corpos bravios de animais sem coleira e juntos acendemos o dia em cachoeiras de luz com as centelhas que nós seres primitivos forjamos com a pedra las...
 mudança * De repente, de modo suave, você se lembra de quando chegou à cidade grande para continuar a estudar, depois veio o Exército, o emprego federal, mochila e violão nas costas, enfim, uma infinidade de erros, de riscos e risos, o amor que rói os tigres, de acordo com um livro cubano, se não me falha a memória com centenas de livros, se não milhares, sim, de repente, você pensa nas pessoas mudando de casa e de cidade, de postura perante a vida (uma luta difícil); quando se muda de casa, vai com a gente uma dupla sensação: de alívio, e de peso pelo que se viveu, a visão a partir da janela, tiques de vizinhos, uma praça e uma pessoa amiga com a qual foi possível conversa de gente grande. Neste momento, pessoas estão carregando ou descarregando móveis, apreensão e entusiasmo, que a vida é breve. *** Darlan M Cunha