A GRANDE BATALHA DE IDEIAS (ou seria de egos?)
Maria Kassimati
Diante de tanta polêmica com relação à “liberdade de expressão” versus a “liberdade de ser quem você é e não sofrer preconceito por causa disso” (leia-se “homofobia”), deixando os felicianos, e joelmas de lado e até mesmo os amigos evangélicos, familiares e amigos não religiosos e tudo o mais que está se falando e apenas inspirada pelo comovente filme baseado em um fato real “Orações para Bobby”, o qual fortemente recomendo (está no Youtube, com legendas, inclusive, na íntegra), não consegui deixar de me questionar: qual é a mensagem que nós, como cristãos, evangélicos ou não, estamos passando para os que não creem ou mesmo para os que creem mas ainda têm dúvidas a respeito de Deus e da igreja?
Se o
que sabemos fazer é apenas apontar o dedo para o “pecado” das pessoas, seja ele
presumidamente qual for, vomitando versículos bíblicos, que, aliás, para um
descrente é como se estivéssemos falando grego, qual a diferença entre nós e os
fariseus (religiosos) da época de Jesus com os quais Ele não teve nenhuma
complacência? (os únicos com quem foi duríssimo, não tratando os outros
pecadores nem de perto dessa maneira, vale destacar).
Para quem gosta tanto de citar a Bíblia, deveria fazer mais do que apenas citar... deveria praticá-la, não me refiro às passagens de polêmica interpretação ou outras que nem doutrina são e se utilizam delas como tal. Refiro-me ao cerne do cristianismo, Jesus Cristo e Sua mensagem fundamental: amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a ti mesmo. Todas as outras mensagens de Jesus derivam dessa: não julgar, por exemplo, deriva do amor ao próximo, pois quem ama não julga, acolhe, como Ele mesmo fez com Madalena, coletores de impostos (considerados pecadores pois extorquiam dos pobres) e outros tantos personagens tão humanos dos evangelhos. Uma mensagem tão simples porém nada fácil de colocar em prática, nem mesmo pelos que se dizem crentes, estudiosos da Bíblia e similares.
Tendo sido testemunha de tal falta de prática do amor proposto por Jesus tanto na igreja que fiz parte durante 20 anos quanto em outras que frequentei por menos tempo e também com a convivência, virtual ou face a face, de amigos que se dizem cristãos e outros os quais nem conheço pessoalmente e tantos outros mais que vejo se manifestarem nas redes e que alegam serem crentes (uso o termo aqui de forma geral, independentemente de denominação, referindo-me a cristãos que se dizem praticantes), comecei a me questionar sobre nosso papel e responsabilidade como representantes de Deus na terra.
De que
adianta viver dizendo, quase que automaticamente, sem pensar “Jesus te ama.”
para todos os supostamente não crentes, se com nossos atos e outras palavras
negamos exatamente esse princípio tão caro aos cristãos: a do amor de Deus pelo
homem, a tal ponto de ter dado seu único Filho para o que Nele vir a crer, não
morra, mas tenha a vida eterna?
Será que não percebemos o quão incoerentes somos ao julgar quem quer que seja, pois ao fazê-lo negamos tudo o que Jesus fez na cruz? E o que falar da falta de coerência ao propagar aos quatro ventos a nossa autojustiça? Porque ao julgar, nos colocamos no lugar de juiz, de instância superior, de seres superiores. Que contradição com os ensinamentos de Jesus, o qual não usou o fato de ser Filho de Deus e se humilhou fazendo-se homem e viveu como homem, sem se defender quando podia, convivendo com prostitutas, ladrões, incrédulos e outros tantos personagens da vida real, sem nunca lhes apontar um dedo, lhes lançar uma só indireta, apenas falando a palavra de amor a qual veio propagar e que mandou seus discípulos repetirem. Tantos se autoproclamam discípulos de Jesus hoje, no entanto, estão mais para fariseus ou ímpios por causa de suas palavras e/ou atitudes contrárias ao que Cristo pregou.
O que mais me irrita (desculpem, se Jesus se irritou com hipócritas religiosos como os fariseus, acho que também eu posso) nessas pessoas que defendem “a Palavra” de Deus é que parece que essa Palavra (com isso quero dizer toda a Bíblia, que nada mais é do que muitos livros de tempos, épocas e autores diferentes e que um concílio formado por homens, da igreja Católica, decidiu eleger como a Palavra de Deus) parece ser mais importante que o próprio Deus, ou os ensinamentos de Jesus. Apropriam-se dela de tal modo, usam-na muitas vezes tão inescrupulosa e levianamente, que se, de fato, todos esses livros fossem fielmente a palavra de Deus, o próprio Deus já teria dado um jeito de se defender de tão mau uso de sua palavra e por conseguinte, de Sua imagem.
Na
verdade, o que acontece é um jogo de poder. O que está em jogo é o poder,
sempre foi, desde o início dos tempos. Satanás também já quis ser igual a Deus
e até mesmo usou Sua palavra para justificar, persuadir. Quem possuir o dom de
melhor usar a Palavra, manipulá-la, interpretá-la a seu favor, terá o poder. O
poder da justiça, de parecer justo e de apontar a injustiça, ou melhor, o
pecado na vida dos outros que não possuem tal habilidade. Acontecem verdadeiros embates nas redes sociais e na vida real, com troca
explícita de versículos bíblicos. Levando ao pé da letra o versículo que
compara a Palavra a uma espada, “crentes” enfiam goela abaixo dos “incrédulos”
seus versículos fora do contexto, sempre arranjando um pretexto para ganhar a
“guerra”, pois, afinal, perde-se uma alma mas não se perde a discussão!
Creio
que já perdi uns “amigos-irmãos” nesses embates, pois teimosamente insisti em
lhes mostrar o amor pregado por Jesus, contra seu armamento pesado de
versículos cuidadosamente decorados para tais ocasiões. Tal amor independe de
denominações ou de se você está frequentando igreja ou não (aliás, não estou e
para muitos deles sou uma desviada: também sofro com seus julgamentos, mas quem
os elegeu juízes de seus irmãos, afinal?).
O interessante é que eu, tendo sido da liderança de uma igreja evangélica por
quase 20 anos e tendo feito seminário de uma igreja pentecostal do mesmo nível
da minha outra igreja, ter sido aluna laureada na primeira turma que se formou
nesse seminário por ter alcançado as maiores notas, geralmente não perco tempo
usando meu “arsenal” de versículos que certamente deve ser até maior do que o
dessas pessoas que me atacam com a espada da Palavra. Humildemente, prefiro me
ater à mensagem de Jesus que independe de você ser líder ou ter feito seminário
bíblico e não me vanglorio do meu background bíblico para essas pessoas (só o
fiz aqui para poder mostrar o meu ponto de argumentação, fique bem claro que
não me considero melhor do que ninguém por causa disso), mas como também disse
Paulo, bem que eu podia me vangloriar, porque é um fato real da minha vida, mas
não o uso para falar do amor de Deus com as pessoas.
Voltando
aos que usam o nome de Deus em vão (porque segundo essas mesmas pessoas, Deus e
Sua Palavra são uma mesma coisa, então ao usar a palavra de Deus levianamente,
estão descumprindo esse mandamento de não usar o nome de Deus em vão), algumas
dessas pessoas têm dificuldade de interpretar um simples texto em postagens nas
redes sociais, pois é fato que 70% dos brasileiros têm problemas de letramento
(dificuldades em ler textos e interpretá-los e eu, como professora de línguas
há mais de 30 anos, testemunho diariamente isso em sala de aula, inclusive no
nível superior). Imagine que tipo de interpretação poderão fazer do texto
bíblico, escrito no português de Portugal e com vocabulário e gramática dificílimos,
muitas vezes até para quem tem nível superior? Normalmente, essas pessoas com
esse tipo de dificuldade (a maioria, segundo estatística do MEC e não minha) ou
interpretam do seu modo, total ou parcialmente longe do que o autor quis dizer,
ou pior, repetem automaticamente o que seus pastores interpretam, perpetuando
muitas vezes uma má interpretação (às vezes proposital, devemos admitir, para
servir aos seus inconfessáveis propósitos), passando-a adiante como verdade
incontestável, sem nunca parar para se questionar ou, Deus os livre, questionar
quem assim a interpretou. Essas pessoas acabam caindo naquilo que Jesus disse
serem “vãs repetições”.
Voltando
ao xis da questão desse texto, o amor de Deus: será que muitos desses “crentes”
que lutam com a Palavra como espada, desferindo golpes nos ditos incrédulos,
poderão dormir tranquilos toda vez que saem “vencedores” desses embates
bíblicos referidos anteriormente? Pois, muito provavelmente, venceram a batalha
das palavras, mas, certamente, perderam a guerra contra o ódio, o desamor, a
intolerância, o desrespeito com a vida humana. Jesus venceu essa batalha mais
de 2000 anos atrás e nos ensinou a também vencer: pagar o mal com o bem, o
orgulho com a humildade, o ódio com o amor! Tão simples e tão poderoso, como o
próprio Jesus!
Texto:
Maria Kassimati
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REFLEXÕES
Na verdade, o que acontece é um jogo de poder. O que está em
jogo é o poder, sempre foi, desde o início dos tempos.
Maria Kassimati, professora universitária, no Facebook. Natal, RN
“Na
era das redes sociais, a amizade é quase uma obrigação. Ou se é
"amigo", ou não se é nada.”
Júlio Daio Borges, fundador
do Digestivo Cultural, no seu número 489
“Cada
cultura teve a sua referência. Os gregos, o homem; a Idade Média, Deus;
agora, o dinheiro. Para mim, a referência é a vida. Recebemos uma vida e vamos
vivê-la até ao final. Mas para isso, necessitamos de liberdade, para que essa
vida seja a nossa e não a que nos mandam ter.”
José Luis Sampedro,
economista e escritor espanhol (1917 – 2013), autor do romance O Sorriso
Etrusco.
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SEMENTE
Pelo que se pode depreender de suas
observações nesse texto aí acima, a professora Maria Kassimati, agora auto-afastada
do convívio diário com tantas peças do Grande Tabuleiro Divino, dos figurantes do
Grande Concerto rumo a Deus, fala sobre algo que varre as ruas como se elas
estivessem sob a peste negra, e por isso divulgam, no seu jeito de luz misericordiosa,
mas rancorosa, o que significam o bem e o mal (lembrei-me de Nietzsche, no livro Para
além do Bem e do Mal, de1886). Pastores com ensinamentos de como deve proceder cada
um de nós, donos e donas de palavras ou de expressões como irmão e irmã, crente
e incréu, temor, maligno, ímpio, devoção, amor, fogo divino, amarrado, e outros
ecos de sua metodologia cansativa e até desrespeitosa. É notória a incrível cegueira
que se apodera de tais, dominados por um rancor febril de alta voltagem, querem
porque querem tirar-te do Mal, e pegam-te pelo braço, pelos colhões, tendo a oferecer
apenas a casa de Deus, ou seja, a rainha das abstrações, a imperatriz de lobos selvagens.
A minha percepção da vida nunca deu espaço a tais
intromissões, pelo que também evito ovos e óvulos, desovas judaico-cristãs, muçulmanas,
xintoístas, janistas e budistas, enfim, religiosos de qualquer origem ou orientação
à porta. E por falar em extremos, dois pesos e duas medidas cotidianas, ou seja,
coisas comezinhas, entre as quais vivem as pessoas, ouvi que “em Israel, mulher só se separa com o oficial
consentimento do marido. Haja muro de lamentações ! Lá, os ortodoxos ou os ainda
mais radicais, aqueles de ridículas trancinhas, não pagam impostos, isentos de vários
cravos” – ouvi isso ontem no mercado central de BH, entre petiscos e goles,
chistes, ira, réplicas, tréplicas e risos. Depois, saem a ensinar boas aventuranças.
E tome sobrolhos erguidos entre os presentes.
Na sua explanação,
a professora Maria Kassimati, analisando o entorno, e também olhando mais longe,
mais fundo e mais alto, percebeu distorções gerais, chagas de um cotidiano rançoso
e fanático, e delas se afastou. Há inumeráveis
caminhos.
Foto
e pós-texto: Darlan M Cunha
simples e tão poderoso, como o próprio Jesu
simples e tão poderoso, como o próprio Jesu
Darlan, como sempre você publicando bons textos no seu blog. Muito bom esse texto de Maria Kassimati.
ResponderExcluirMuito obrigado, Ângela. Lembranças para a Maria Kassimati.
ResponderExcluirDarlan