Não disse
nada durante o estupor geral diante das chamas, não arredou o pé do lugar de
onde assistia o ocaso de uma era ruindo sem sal, açúcar, água e óleo, até
porque nada mais era compartilhado naquela casa; não eram ingredientes comuns à
mesa de quantos lá viveram o tempo necessário para se desconhecerem por
completo, sim, em tudo isso e em algo mais aquela pessoa pensava, de pé dentro
dela mesma, muda, enquanto o fogo se cumpria mais alto do que o estupor geral,
ambos - fogo e criatura - alheios a algum escárnio grosseiro, aos ventos da
pressa imobiliária, às cantilenas judiciais.
Não disse nada enquanto o fogo torneava as
pernas do espanto, e nem mesmo depois de silenciadas as últimas brasas,
varridas as cinzas, e de delimitados o espaço pertencente à família, e o espaço
do passeio público. Só ele sabia quantos foram mortos lá dentro.
Texto: Darlan M Cunha
Imagem / Arte: fiammata di flamenco # fire
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