Pular para o conteúdo principal




O BUDA SENTADO



O buda sentado não carecia de jogos de azar, mas revirava a memória

rumo à rota da seda, bebendo algo indecifrável, o iluminado olhava de soslaio

a quem ousasse o que não ousava: cometer desatinos, matando mulheres

e filhas (mulheres valiam pouco já àquela época), não, ele não saía de si

a não ser para comer maçãs e praticar a lavoura arcaica de beber um copo

de cólera antes de libidinagens com vacas e ovelhas, saltando cercas

esse pai de profetas e de outros menos virulentos e menos votados, 

sabendo que a sinistra e a destra costumam estranhar-se, pelo que as imergia 

no lodo, sempre atento ao silêncio das possíveis presas, sim, era notório que

o buda sentado já não se bastava a si mesmo, e as más e as boas línguas

atestando que a sua fisionomia denotava anseios bem visíveis em cada folha

sobre a qual estendia a mão com a qual proferia novas e antigas

admoestações ao vício, esquecido do próprio vício de entornar sobre a plebe

seu ralo diário. Há de se convir que o mundo bem fez ao esfolar gautamas.





Texto: Darlan M Cunha

Imagem: espada-samurai-imagem-9-PNG
 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Tu te lembras, sim... Contos da minha casa - 5 Uma avó de uma amiga minha completou noventa anos – eu disse uma avó porque, afinal, todos temos mais de duas avós -, e as cantigas de sempre logo se fizeram ouvir, devido ao fato de que não há festa de noventa anos todos os dias, todos os meses, sequer todos os anos, não é mesmo, gracinhas e joões ? Embasado nisso, e embasbacado após ver uma linda foto da festa de aniversário 90 de uma avó de uma amiga minha (ufa !), fiz de conta que era comigo, e revi a minha avó, melhor, uma de minhas avós bem aqui ao lado meu, toda liru-liru , empetacadinha, lindinha e ainda e sempre brabinha que só ela. É... falo da minha avó paterna, cuja graça era Senhorinha, isso mesmo, basbaques, este era o nome dela registrado em cartório: Senhorinha Maria de Jesus. Era baixinha, muito brava, mas só de mentirinha, assim com um ar de Dom Casmurro (parte do livro, porque as partes do livro onde entra a tal da Capitu... isso aí, podem deixar de lado,
FLORES SÉSSEIS, VIDROS E ÁGUAS: CONSTELAÇÃO DE OSSOS 1. O ENCANTAMENTO PELOS MATERIAIS Vidros e águas se entendem, agarram-se uns aos outros como um pensamento bom atrai outro de sua estirpe, como as pedrinhas de um caleidoscópio fazem umas com as outras, ou seja, abraçam-se e soltam-se num emaranhado nunca igual, mas sempre com o intuito de união, sua sina sendo a de viverem unidas, mantendo a própria identidade – o que é cada vez mais difícil, mais improvável entre os humanos. Águas e vidros: água doce e vidro plano, água salgada e vidro temperado, água suja e vidro opaco, água limpa de bica e vidro colorido  de igrejas e bordéis, sim, de tudo se faz canção e caução, e o coração na curva de um fio d’água estalando gotículas nas costas dos lagartos (agora tu sabes a razão do sorriso do lagarto, uma delas), úvula e cio, nonada , tiros que o senhor ouviu... , o rio cheio de mormaço, espelho d’água é a sensação de um rio calmo calmo calmo, tu vais com ele, entras nele

calmaria

  Uma calmaria aparente dentro da aldeia, sobre ela uma zanga de nuvens - mas não se deve levar nuvens a sério, por inconstantes - sina - e levianas feito dunas e seixos escorrendo e escorregando daqui pra lá, de lá para além-lá, feito gente nos seus melhores e piores dedos, entraves, momentos, encontros e despedidas. Um gotejo aqui e ali, mas outro tipo de gotejo num lugar da casa vai trazendo à cena o verso do português Eugênio de Andrade (Prêmio Camões 2001), decifrando a lágrima: " a breve arquitetura do choro ." Darlan M Cunha