BAR CHOVE LÁ FORA
(aqui dentro só pinga)
Num dia sem nome e sem data, entrei aí, igual a um peregrino sem aviso de que existisse tal local de peregrinação, e por lá mesmo fiquei eu, filho do cansaço, da fome e da sede, nem digo da solidão amorosa, que isso é doença antiga; e tão afoito cheguei lá, que nem li o título exuberante avisando que tipo de peregrinação se faz naquele inigualável lugar no qual, se não todas, porque é difícil, muitas mágoas e águas salobres ficarão lá mesmo, sobre o balcão ou na mesa que porventura escolhas para nela passares o tempo necessário para que em ordem a tua teimosa desordem interior fique. Foi isso mesmo o que se deu com este antigo aprendiz de sacristão, hoje, o diabo em pessoa, vil autor de O Dicionário do Diabo: Temas para Enamorados. Uma autêntica música de viola abria as janelas do dia para a freguesia, e lá mesmo conversei com um casal alemão, que ia de cidade em cidade, sem pressa, até por alguns estados, e gostaram imenso de tanta vegetação diferente, da qual já sabiam, por serem estudados, mas nunca é igual a quando se está lá no meio do redemoinho, mormente se com o diabo, como diz logo de cara o Grande Sertão: Veredas, no seu subtítulo.
Mas o que lhes quero contar, sem dizer-lhes de jeito nenhum o endereço desta famigerada birosca, bitácula, mafuá (completamente fora de questão aqui seria fazer desfeita) ou simplesmente bar, sim, o que lhes quero contar é que naquela casa servem cachaça com uma grande variedade de raízes, cascas, folhas e frutos, mas a glória maior (escrevi algo sobre isto no livro que acabo de escrever, e que será publicado no próximo mês, sendo que este assunto entrou de gaiato no livro, condescendi), eu dizia que a glória maior deste bar é que servem cachaça com pó de ouro, sim, devidamente medido ou pesado, o pó é espalhado com técnica decente: pela fricção entre o indicador e o polegar, e assim é que aquela maravilha, fator de tantos crimes, tantas guerras, aquele pó cai de leve na tua cachaça, bem ao alcance dos teus olhos, bem ao alcance da tua incredulidade.
Podem crer: voltarei àquele distante mas primoroso local de peregrinação, único, onde o sossego fica de papo pro ar, onde sapos e lagartos rastejam sem nenhuma cerimônia entre as pernas do tempo e os braços do espaço.
Foto: http://www.humornanet.com/servlet/sitem?itm=4131&mod=arq&cat=20
Texto: Darlan M Cunha
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